domingo, 31 de julho de 2011

Listão: Filhos Solitários

Filhos-únicos: ou eles são penosamente responsabilizados a dar continuidade à trajetória dos pais, tendo que triunfar onde estes fracassaram, ou recebem uma excessiva carga de atenção, o que os torna mimados e soberbos. Como o cinema enxerga essa turma?

15 – Ensinando a Viver (Martian Child, 2007)


Quem é? Dennis (Bobby Coleman)

Qual é a dele? O franzino Dennis, adotado pelo viúvo John Cusack, vive num mundo a parte, por acreditar cegamente ser um marciano em missão de exploração no planeta Terra. Típico comportamento de criança carente de atenção, a problemática do filme bem que podia ser resolvida com um pulso mais firme dos adultos, mas prefere sinalizar pra outros valores na relação pai-filho.

14 – Riquinho (Ri¢hie Ri¢h, 1994)


Quem é? Riquinho Rico (Macaulay Culkin)

Qual é a dele? Nos anos 90 a gente ficou muito chocado com a mansão da Família Rico e os ‘brinquedos’ do Riquinho, que incluíam uma franquia particular do McDonald’s (‘Você tem seu próprio McDonald’s!!’), uma central de comunicação (‘Pai Não Encontrado! Pai Não Encontrado!’) e uma montanha russa privativa. Depois que o garoto descobre uma tentativa de assassinato orquestrada contra seus pais é que ele finalmente percebe que brincar numa montanha russa sozinho, não faz o menor sentido.

13 – Querido Frankie (Dear Frankie, 2004)


Quem é? Frankie (Jack McElhone)

Qual é a dele? O Frankie tinha uma mãe muito dedicada (a Emily Mortimer). Quis protegê-lo do pai crápula e fugiu com ele pra bem longe. Mas, pra alimentar a ideia de que o garoto tinha sim um pai decente, ela lhe escrevia cartas, se passando por um suposto pai, marinheiro, aventureiro, muito chique. No entanto, um dia a farsa se torna insustentável e ela precisa arrumar um pai fictício pro filho - daí até aparecer o Gerard Butler e pronto, já viu.

12 – Charlie – Um Grande Garoto (Charlie Bartlett, 2007)


Quem é? Charlie Bartlett (Anton Yelchin)

Qual é a dele? Espécie de fusão entre Ferris Bueller e Zac Efron (em seus momentos mais saltitantes), Charlie Bartlett passa de rebelde sem causa a figura extremamente popular na escola/universidade onde estuda. Pra não poder mais no seu complexo de James Dean, Charlie enfrenta o diretor de lá, o super Robert Downey Jr.

11 – Como Treinar o Seu Dragão (How to Train Your Dragon, 2010)


Quem é? Soluço

Qual é a dele? Mais um exemplo de personagem perdido pelas suas inadequações, Soluço é morador de uma aldeia viking que sofre constantes ataques de dragões. Cabe aos jovens aprenderem as técnicas de defesa e promoverem a guarnição do lugar. Mas justo ele, que não leva o menor traquejo pro negócio, carrega o fardo imenso de ser o único filho do maior combatedor de dragões que já existiu. Dureza.

10 – O Pequeno Nicolau (Le Petit Nicolas, 2009)
 
 
Quem é? Nicolau (Maxime Godart)

Qual é a dele? Desde sempre o foco máximo do carinho e atenção dos pais, Nicolau certa feita ouve por acaso uma conversa que o faz acreditar que está para dividir seu reinado com um irmãozinho. Opa, dividir não. Ser fatalmente execrado do trono e exilado numa medonha floresta. Porque do ponto de vista das crianças, tudo é superlativo. Tome talento francês pra desenhar a narrativa a partir das lentes da infância.

9 – Um Grande Garoto (About a Boy, 2002)


Quem é? Marcus Brewer (Nicholas Hoult)

Qual é a dele? Ter sido baseado num livro do Nick Hornby diz muita coisa? O Marcus vivia só com a mãe, viúva e deprimida. Até que seu destino encontrou o do Hugh Grant, mulherengo e extremamente individualista. Por algum motivo, o Marcus escolhe esse sujeito disfuncional pra ocupar a lacuna que o pai deixou. E o filme faz altas manobras pra desviar de possíveis clichês – funciona. Hoje o Nicholas Hoult estampa catálogos do Tom Ford e filmes como Furia de Titãs, X-Men First Class e, claro, Direito de Amar.

8 – O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias (2006)


Quem é? Mauro (Michel Joelsas)

Qual é a dele? A história do Mauro se passa no meio dos anos 70, época em que o Brasil andava pelas tabelas com a repressão imposta pela Ditadura Militar. Em meio ao turbilhão, o Mauro, de apenas 12 anos, tentava equilibrar o foco de suas atenções: entender as pirações dos generais e o sumiço dos pais, mesmo estando muito preocupado com os rumos do Brasil-Time, prestes a se tornar tricampeão mundial de futebol.
 
7 – Deixa Ela Entrar (Låt den rätte komma in, 2008)


Quem é? Oskar (Kåre Hedebrant)

Qual é a dele? Oskar é um garoto meio esquisitão, muito calado, meio pálido, muito peculiar, afinal. E essas diferenças é que faziam dele alvo de chacotas na escola – brincadeiras sem graça, agressivas – bullying, pra usar um termo mais em voga. Até que conhece a menina Eli, que o elege com uma espécie de protegido, até que o envolvimento dos dois se encaminhe pra algo ingênuo, mas que rompe as barreiras da amizade. Super pontos no quesito originalidade, pra mais esse filho-único do Listão.

6 – Coraline e o Mundo Secreto (Coraline, 2009)


Quem é? Coraline Jones (Dakota Fanning)

Qual é a dela? O conto de Neil Gaiman adaptado ao cinema por Henry Selick sobre a garota filha-única que, carente da atenção dos pais, acaba descobrindo uma espécie de universo paralelo, uma versão-espelho infinitamente melhorada da sua própria vida. Ao longo da projeção, a válvula de escape encontrada por Coraline, se mostra cada vez mais cavernosa.
 
5 – O Menino dos Cabelos Verdes (The Boy with Green Hair, 1948)


Quem é? Peter Fry (Dean Stockwell)

Qual é a dele? História do menino “órfão de guerra” que, sem mais, um dia acorda com os cabelos verdes. A ausência dos pais e o que isso trouxe de ruim ao garoto (somado ao eco que sua estranha cabeleira causa na vizinhança e escola) faz dele um quase-mártir dos efeitos da guerra e escancara a mensagem ‘pacifista e antibelicista’ do verde enquanto metáfora pra esperança. Uma lindeza.

4 – Onde Vivem os Monstros (Where the Wild Things Are, 2009)


Quem é? Max (Max Records)

Qual é a dele?
Max é um rebelde da imaginação. Sem a atenção da mãe e frequentemente sendo tratado com crueldade pelos vizinhos mais velhos, ele explode num rompante de pura birra e, incompreendido, foge de casa. A desabalada carreira do Max vai dar nesse mundo incrível, habitado por monstros igualmente incríveis que fazem dele um Rei mais incrível ainda. Um rei do próprio nariz.

3 – O Iluminado (The Shining, 1980)


Quem é? Danny Torrance (Danny Lloyd)

Qual é a dele? A dele é ter sido levado pelos pais a este hotel desabitado (baixa temporada) no meio do nada, no gélido Colorado. Jack Torrence (Jack Nicholson, nesse papel que o marcaria para toda a carreira) aceita um trabalho de vigia, mas aparentemente a desolação do lugar vai deteriorando aos poucos seu senso e equilíbrio. Já o Danny, que possui habilidades paranormais, conversa sempre com o Tony ("the little boy who lives in my mouth") e tem visões fantasmagóricas pelos corredores vazios do hotel. 

2 – Os Incompreendidos (Les Quatre cents coups, 1959)


Quem é? Antoine Doinel (Jean-Pierre Leaud)

Qual é a dele? Coagido pela opressão dos superiores na escola, pela sufocante cobrança dos pais que, fartos da ‘rebeldia’ do garoto, acabam o enviando para um reformatório – Doinel almeja antes de tudo, a liberdade. E ele a encontra em suas fugas para o cinema, em suas caminhadas pelas ruas e em seu inebriante encontro com a imensidão do mar. A trajetória de Antoine Doinel se mescla com a própria biografia do diretor, François Truffaut. E a aspiração do personagem pela liberdade traduz, em suma, o objetivo maior da festejada Nouvelle Vague.

1 – Kramer vs. Kramer (Kramer vs. Kramer, 1979)


Quem é? Billy Kramer (Justin Henry)

Qual é a dele? Vitimado pela separação dos pais, como tantos. O Ted Kramer (Dustin Hoffman, maravilhoso) só tinha tempo para o trabalho e deixava a casa pra segundo, terceiro, décimo plano. Depois de tanto suportar, Joanna Kramer (Meryl Streep, que levou o Oscar por este personagem) um belo dia arruma as trouxas e desaparece do mapa. Daí então o Ted precisa cuidar sozinho do filhote Billy - que não entende porque a mãe foi embora. Isso rende uma potência dramática gigantesca, e uma das minhas cenas preferidas de todos os filmes que já vi: pai e filho na cozinha, incapazes de preparar uma rabanada. Dá vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Veja este filme.
 
Veja também o Listão: Melhores Caçulas do Cinema. E pra ver mais listas, clique nas tags TOP5 e Listão, lá no topo do blog. Até a próxima (:
 
 

domingo, 24 de julho de 2011

Convite: Animações Japonesas no SESC


A edição desse mês do Grupo de Estudos de Cinema do SESC já está pronta. Dessa vez a discussão girará em torno das animações japonesas, com base em obras dos mestres Makoto Shinkai (5 Centímetros por Segundo) e Hayao Miyazaki (A Viagem de Chihiro). A lindeza da Paula Barros (Arte Educadora) debaterá com os presentes as particularidades dessas animações feitas com tanta imaginação e estilo, do outro lado do mundo. Como sempre, terça-feira dia 26/07, às 18h30 no SESC Galeria, que fica na Praça Deodoro. Formalizando o convite:

Tema: "Makoto Shinkai & Hayao Miyazaki: a estética das animações japonesas"
Mediação: Paula Barros
Data: 26/07
Local: Galeria de Arte - SESC Administração
Horário: 18h30


Nas edições anteriores discutimos:

Nouvelle Vague (abril)
Pedro Almodóvar (maio)
Quentin Tarantino (junho)

Os encontros acontecem todo mês no SESC e a gente divulga por aqui.
Clique na tag AgendaBdD e fique ligado (:

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Workshop de Cinema no Festival da Lume


Terminou hoje o Workshop sobre História do Cinema ministrado por Sérgio Alpendre, como parte da programação do I Festival Internacional Lume de Cinema. Em face dos nossos constantes reclames da falta de alternativas para cinéfilos em São Luís, a iniciativa da Lume Filmes nos encheu de orgulho.

Foram quatro aulas divididas em quatro dias, onde o crítico de cinema Sérgio Alpendre (Chip Hazard), versou sobre diversas escolas de cinema, através de trechos de filmes comentados. Apesar do tempo insuficiente para um tema tão abrangente, foi possível discutir aspectos interessantes da filmografia de nomes como David Griffith, Luis Buñuel, King Vidor, Alfred Hitchcock, Roberto Rossellini, Kenji Mizogushi, R. W. Fassbinder e por último o curioso cineasta japonês Yoshishige Yoshida - entre vários outros.
 
 
Alpendre também trabalhou os conceitos de enquadramento, planos, plongé, travellings, profundidade de campo, composições de cena, maneirismos e outras soluções visuais adotadas pelos mestres de acordo com as escolas a que pertenceram. As discussões foram sempre muito bem humoradas, e contaram com as contribuições da turma, ávida por aprendizado. 
 
A gente espera fervorosamente que mais eventos assim aconteçam na ilha. Depois de tanta conversa sobre cinema, Sergio Alpendre nos deixou morrendo de vontade de ver uma pilha de filmes. Fiz uma lista de 'Quero Ver', que divido agora com os senhores. Quem perdeu, dançou.

- Raros Sonhos Flutuantes (Eizo Sugawa, 1990)

- O Nascimento de Uma Nação (David Griffith, 1915)

- Intolerância (David Griffith, 1916)

- O Grande Desfile (King Vidor, 1925)

- Coragem e Confissão (Alfred Hitchcock, 1929)

- O Marido Era o Culpado (Alfred Hitchcock, 1936)

- Alemanha Ano Zero (Roberto Rossellini, 1947)

- Sob o Signo de Capricórnio (Alfred Hitchcock, 1949)

- Stromboli (Roberto Rossellini, 1950)

- O Intendente Sancho (Kenji Mizogushi, 1954)

- Sede de Viver (Vincent Minnelli, 1956)

- Roleta Chinesa (R. W. Fassbinder, 1976)

O I Festival Internacional Lume Filmes termina amanhã. Que venha o próximo (:

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Carros 2: O Excelente Filme Ruim da Pixar


Conversando com o amigo Gabriel Leite em meados de 2010, ainda atônitos com o sucesso de Toy Story 3, chegamos à conclusão de que depois de tantos êxitos em série, a Pixar bem que podia se dar ao luxo de cometer falhas dali  em diante. A brincadeira ganhou tons de profecia, já que ‘Carros 2' (Cars 2, 2011) cruelmente rejeita a teoria da infalibilidade do estúdio de John Lasseter.

A pegada da Pixar sempre foi atribuir características humanas a personagens dos ambientes mais adversos e, através disso, provocar elos de identificação com a platéia, transmitindo lições de altruísmo e camaradagem. Em 2006, quando decidiram criar um universo paralelo dominado não por monstros, formigas, peixes ou brinquedos, mas por carros (!) a crítica especializada se dividiu. Seria um desafio conferir expressividade a máquinas, personagens não-orgânicos, pouco maleáveis, que traziam em vez de mãos, rodas de liga leve e em vez de olhos, para-brisas.

Os resultados não foram de todo satisfatórios. O Oscar daquele ano, por exemplo, foi para os pinguins de ‘Happy Feet’ e até o curta-metragem ‘Quase Abduzido’, ficou de fora da premiação. A despeito disso, ‘Carros’ se transformou no projeto mais comercial da Pixar, ao dar possibilidade à criação de uma infindável linha de produtos com os colecionáveis Relâmpago McQueen e Mate.
 

Este descrédito é o principal motivo pelo qual o projeto de ‘Carros 2’ foi visto com desconfiança. A premissa do filme de 2006, feita com base na ideia que John Lasseter teve numa viagem de carro com a família, era a de um carro de corrida cego pela fama, que em determinada circunstância se vê forçado a reavaliar alguns conceitos.

Mate, o carro-guincho caipira, coadjuvante no primeiro filme, foi aqui alçado à condição de protagonista, enquanto a estrela das corridas Relâmpago McQueen, assumiu o posto de coadjuvante. Essa troca define uma brusca mudança de tom na narrativa: as então genuínas crises pessoais de McQueen, antes intercaladas pelo alívio cômico do carro-guincho, agora ficam de fundo para as trapalhadas-pastelão de Mate – que aqui não soam mais tão espontâneas e engraçadas.
 

O problema é que nem se trata de uma mera animação engraçadona. O pano de fundo disso é uma aparentemente intrincada trama de espionagem ao melhor estilo James Bond. O carro novato, Flynn McMíssil é nada menos que a carronificação (!) do agente 007. Assim, enquanto McQueen se mete num desafio internacional de corrida, Mate é confundido com um espião profissional – algo tão improvável quanto Mr. Bean sendo agente secreto.

Então apesar do impecável design de produção – especialmente nas ‘locações’ internacionais, cujos cenários foram redesenhados para atender à lógica desse universo automobilístico – e da criatividade nos modelos de carros antropomorfizados, a trama soa boba como uma desculpa esfarrapada de continuação. A Pixar, com seu rigor técnico e narrativo, nos tornou exigentes demais.