Pelo menos dois problemas principais pairavam entre as
especulações de O Hobbit. Primeiro, a incerteza sobre a direção ser ou não de
Peter Jackson, o veterano diretor da trilogia O Senhor dos Anéis. Depois, a
desconfiança sobre a decisão aparentemente arbitrária de estender o livro de J.
R. R. Tolkien, no qual a produção se baseia, em não meramente um ou dois, mas três filmes.
Pois bem, O Hobbit:
Uma Jornada Inesperada, primeira parte da empreitada, não apenas resgata a
poderosa capacidade de imersão da primeira trilogia, como a reinventa. Somos
apresentados ao séquito de anões reunidos com a intenção de retomar a sagrada
Montanha Solitária, onde se encontra um tesouro de valor imensurável, usurpado
do domínio-anão pelo vil dragão Smaug. O prólogo narrado pelo célebre Bilbo
Bolseiro precisamente antes dos acontecimentos que marcam a Saga do Um Anel é
responsável por nos realocar no familiar Condado, e então de volta sessenta
anos antes para compreender a injúria cometida contra o Reino dos Anões.
Aliás, para os desabrigados de O Senhor dos Anéis, a forte Sensação de Familiaridade é a primeira
coisa que ancora a atenção em O Hobbit, ao reencontrar personagens como
Gandalf, Bilbo, Frodo (!), os Elfos, mais tarde Gollum e até mesmo a memória do
Condado. Existem ainda algumas referências cinicamente não-camufladas, como Gandalf
incapaz de não bater a cabeça no lustre da casa de Bilbo. Outros elos
permanecem intactos, como a altivez dos elfos, a intransigência e bom humor dos
Anões, bem como a aparente fragilidade dos Hobbits e o transtorno de dupla
personalidade do ótimo Gollum (Serkis, arrebentando de novo).
A atmosfera de tensão sufocante presente em SdA dá espaço
aqui a um clima mais leve graças, principalmente, ao Humor Bonachão da missiva de nanicos que a trama acompanha. Se o
livro (que não li) é conhecido por ter sido pensado para o público infantil,
então não surpreende que Peter Jackson, na condição de fã enlouquecido do
Imaginário Tolkien, tenha conservado essa característica no filme. Sendo assim,
não dá pra esperar que O Hobbit
repita o tom de gravidade e a sensação ameaça pungente das duas torres, com o
ódio de Sauron e Saruman, o mar de orcs e outras feras bestiais prestes a
reduzir a farelos Frodo e Sam. Aqui há perigo e ameaça, sim. Mas salvaguardados
por doses bem distribuídas de gracejos (e algumas canções).
Outro ponto positivo é que os cenários incrivelmente abrangentes
ajudam a reforçar o contraste entre a imensidão da jornada e seus perigos
diante da pequenez dos oponentes Anões e Hobbit. Não falo necessariamente dos
planos abertos mostrando a riqueza natural da Nova Zelândia (principal
locação), mas observe, por exemplo, o salão do reino de Thrain, a fenda na
montanha dos Orcs com seu líder monstruoso, o pico do penhasco onde os heróis
são postos em emboscada. Tudo é fruto de um trabalho minucioso de Design de Produção que chega, outra
vez, a surpreender. Jackson continua acertando a mão nas lindas sequências de batalhas,
ainda utilizando os rasantes maravilhosos que adotou para os Nazgûl que
destroem as Minas Tirith em O Retorno do Rei.
Como era de se esperar, Tomadas
Perigosamente Longas como a reunião na sala de jantar de Bilbo (duas canções!),
a conferência em Valfenda e o extenso jogo de adivinhações entre Bilbo e Gollum,
por mais que funcionem impecavelmente bem e que objetivem reforçar a noção de
tempo-real, podem causar estranhamento. Outra fragilidade que vai de encontro
mais à história do que à narrativa é o fato de que a solução para momentos de
enrascada extrema, sempre vem de uma força maior, protetora e provedora,
notadamente conhecida por Gandalf, O Cinzento. Seria uma metáfora cristã para o
Assistencialismo Divino que nos
submete a provações para testar nossas forças, porém não mais além do que
podemos suportar? Considero um tanto quanto frustrante a sensação de que os
Anões poderiam ter ido pro saco bem antes, caso não contassem com um Mago fodão
na equipe. Outro ponto questionável é que, embora responsável por conferir um
frescor ao conhecido universo da Terra Média, a trama não dá conta de explorar
a contento a Vasta Quantidade de Personagens
Novos. Fiquei curioso pra conhecer melhor, por exemplo, o Mago Castanho,
versão pitoresca de São Francisco de Assis.
Dosando as impressões, é possível concluir que Uma Jornada Inesperada entrega o
prometido, vai além e ainda sela o início de uma aventura que promete passaportes
definitivos ao incrível universo da Terra Média. Chupa, haters. Obrigado, PJ.