quinta-feira, 19 de julho de 2012

Valente: A Princesa da Pixar [Parte 1]

Olá, amigos. Resolvi dividir esse texto em duas partes [SEM SPOILERS]: a primeira pra falar sobre o filme em si e a segunda, só pra explorar aqueles famosos detalhes caprichados que são a cara da Pixar. Vamo nessa!

Parte 1: O filme


Através da obstinação da princesa Merida em fazer seu próprio destino, a trama de Valente (Brave, 2012) se esquiva a todo custo da tônica romântica e maniqueísta que circundou a maioria todas as princesas do estúdio do velho Walt. E aí o enigma se resolve: depois de Woody, Buzz, Wall-E e Carl Fredricksen, a primeira protagonista da Pixar tinha mesmo que ser uma princesa.

Longe da imensa lista de responsabilidades previamente impostas às mulheres, Merida parece orgulhosa dos cabelos ruivos que ela mantém rigorosamente desalinhados. Os cachos de fogo vão de encontro à vivacidade gasta nos passeios com o cavalo Angus ou na admirável habilidade com arco e flecha. Mas em ‘Valente’ o casamento é ferramenta de diplomacia. Em nome da honra de toda uma dinastia e a fim de assegurar a paz no reino, a mãe da protagonista, Elinor, é uma metralhadora de regras que pretendem conduzir Merida ao matrimônio. E é o conflito entre as duas que rege o tom da trama.


A despeito da aparente sisudez da rainha, a dinâmica familiar é pura comédia. O ‘humor trapalhão’ adotado aqui conta como recurso a favor tanto de desviar a expectativa de romance que vem pré-acionada numa ‘história de princesa’, como de aliviar a tensão crescente entre mãe e filha. E a forma como os homens são retratados nessa produção assumidamente feminista, não deixa de ser curiosa: sempre munidos de força bruta e dispostos a abrir mão de qualquer conversa para resolver tudo na base dos socos e pontapés.

Assim, o rei Fergus é um guerreiro nato que derrotou ursos ferozes, mas é incapaz coordenar o reino ou de por ordem à própria mesa - também por conta dos adoráveis trigêmeos acrobatas. Os pretendentes de Merida, assessorados por seus pais, também rendem boas risadas. São os clãs MacGuffin, Dingwall e Macintosh - este último faz referência aos primeiros computadores concebidos por Steve Jobs, um dos mais importantes acionistas da Pixar, a quem o filme é dedicado.


‘Valente’ se torna interessante ainda ao remodelar outro aspecto caro às histórias de princesa: o elemento fantasioso, geralmente concentrado na figura de um feiticeiro ou bruxa. Recusando o usual maniqueísmo, aqui a bruxa funciona como uma espécie de gênio da lâmpada ou curinga - e as chamas azuis que sinistramente convidam a protagonista a adentrar na floresta escura de alguma forma remetem à mística dos filmes do estúdio Ghibli.

Aí sobra espaço para o que realmente importa nessa história: há uma cena extremamente representativa em que Merida, a fim de manusear melhor seu arco, solta os cabelos presos pela mãe e rasga o belo vestido com a qual fora apresentada a seus pretendentes. Não há simbolismo mais contundente que a recusa desses adornos femininos, a negação do casamento arranjado, a obstinação cega e o desejo de escrever a própria sorte. 

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A Arte de Valente [Parte 2]


Com o passar do tempo, os recursos tecnológicos se tornam mais precisos, técnicas de animação são aprimoradas e a cada novo filme da Pixar, o cuidado com os detalhes se torna mais impressionante. Dessa vez a equipe viajou para a Escócia (onde o filme se passa) pra aprender a usar arco e flecha, trajando aqueles kilts medonhos. O intenso trabalho de pesquisa rendeu os belos cenários e incríveis texturas usadas em ‘Valente’. Compare os cabelos dos personagens aqui, com os de ‘Os Incríveis’ (2004), por exemplo. Os fios são plantados um a um e dessa vez eles são menos plásticos e mais soltos. E observe os tecidos, costuras e botões – há uma cena em que Merida se deita num sofá, triste com um acontecimento da trama, e é possível ver os pequenos detalhes do vestido contra a luz.


É interessante também o design de produção dos personagens em si. Já comentei como a rebeldia dos cabelos de Merida vai de encontro à personalidade dela. A mesma lógica é adotada pra todo mundo. Na cena em que a Rainha Elinor prende os cabelos da filha, a moça insiste em deixar pelo menos uma mecha solta. E é intrigante notar que a beleza dessa princesa não é clássica como a da Bela Adormecida ou Cinderela. É uma menina arqueira, traquina e cheia de personalidade. O Rei Fergus é o meu preferido. Como ‘Rei Urso’, ele é um homenzarrão, um armário. Usa uma túnica de pêlo de urso que faz com que ele, de costas, lembre um urso de fato. E os membros dos clãs, pais e filhos, também são caricatos e extremamente engraçados, reforçando o tom jocoso com que os homens são representados aqui, já que o destaque em Valente é mesmo para as mulheres. 


A casa da bruxa é cheia daqueles eggs espalhados por todos os filmes da Pixar. Há uma miniatura do carro da Pizza Planet (repare na mesa) e um monstro Sully talhado em madeira (esse eu não consegui perceber enquanto assistia). Do lado de fora, na floresta, pensei ter visto um Mickey escondido nas folhagens (o formato de três bolinhas da cabeça do camundongo está em todos os filmes, desde Toy Story). E a gag do autoatendimento é hilária: “Derrame a poção 01 se deseja fazer uma reclamação”.

E aqui eles conseguiram criar metáforas visuais muito fortes, como o corte na tapeçaria, o vestido rasgado de Merida ou uma cena em que as cores empalidecem a ponto de ficar tudo quase em preto e branco. Também fiquei surpreso com os ursos, especialmente o poderoso Mor’du, que assusta de verdade. Pra aproximar o formato das histórias clássicas de princesas Disney, em Valente a protagonista até canta algumas músicas, mas nunca em formato de vídeo clip (!), como era antigamente. 

O cuidado com os detalhes é um grande diferencial do estúdio. Será que a história da princesa Merida vai render um novo Oscar pra turma do John Lasseter? ;)

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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Os Maiores Vacilos do Novo Aranha

Dá pra fazer um leve exercício de memória e lembrar que nenhum filme do cinema recente dividiu tanto opiniões quanto esse reboot da série Homem-Aranha. Ame-o ou Deixe-o, há quem lance a sentença como teia. Entre mortos e feridos, a empreitada do diretor Marc Webb tem coragem, vontade... mas trupica nos detalhes. Quais as maiores desvantagens e vacilos do novo cabeça-de-teia? 

1) Veio depois da trilogia do Sam Raimi


Sim, amigos. Com um parâmetro de comparação tão violento, o novo Aranha perde a força da novidade e precisa de muito mais esforço para conquistar seu lugar. A trilogia do Sam Raimi (embora a gente ignore solenemente o terceiro filme) é de uma força imensa. Foi um fenômeno sem precedentes na história da telona e tatuou em nossas memórias a figura de Tobey Maguire como Peter Parker - um personagem, até então, sem rosto. Some-se a isso a pouca distância de tempo entre as produções e temos aí a Síndrome do Substituto Indesejado. Imagine um novo Tony Stark que não seja Robert Downey Jr., um Harry Potter que não seja Radcliffe ou um Batman que não pareça Kermit, o Sapo.

2) O sacrifício vão de Ben Parker

Um dos momentos mais íngremes da ópera soturna que é a vida pessoal de Peter Parker, a morte do Tio Ben é o destino arrancando dele, pela segunda vez, seu referencial de figura paterna. A carga de culpa aterradora e o anseio de vingança que nascem no garoto Parker a partir daí são definitivos para que ele se reconheça enquanto herói e vista o manto dos grandes poderes e grandes responsabilidades. No filme de Marc Webb, no entanto, a morte de Ben Parker (Martin Sheen) acontece de maneira gratuita e os efeitos ora devastadores desta perda, são pálidos, quase imperceptíveis. Se isso desperdiça vínculos entre o personagem e a plateia, a relação com a Tia May de Sally Fields não fica muito atrás.

3) Ausência de conflito romântico

Veja só: Gwen Stacy é uma pequena gênia que ama Parker genuinamente e jamais complica a vida do herói sendo utilizada como isca por duendes voadores ou cientistas de tentáculos. Em vez disso ela reúne seus dotes em favor da causa e ajuda pontualmente, em vez de atrapalhar. Ótimo? Não, péssimo. É só lembrar de Mary Jane, o amor platônico de um nerd loser. É uma garota que sofre abusos do pai alcoólatra, é idealista, sonha em ser atriz (mas vira garçonete), descobre amar Parker (mas eventualmente está namorando outro cara) e é alvo dos vilões que querem a cabeça de Spidey numa bandeja de prata. Sentiu a diferença? O cinema bebe na fonte do amor idealizado - que aparecia nas poesias toscamente declamadas e na dor de cotovelo do antigo Pete. 

Pra onde vai a nova jornada?

O Novo Aranha é um filme sobre um adolescente numa fantasia, aos poucos se reconhecendo enquanto herói. Ao vestir-se de Homem-Aranha, Peter Parker continua sendo Peter Parker: franzino, falível, que leva tiro, se machuca gravemente, faz piada, tem espírito de aventura. O Homem-Aranha de Andrew Garfield usa mochila e tira a máscara toda hora... a intenção de aproximar herói e alter-ego fica clara. Só não descamba no conceito do Kick-Ass pela famigerada picada da aranha radioativa. Essa talvez seja a diferença-base em relação aos filmes anteriores. E aí, lá vai: nada de mocinhas gostosas e indefesas gritando por socorro, nada de redator surtado publicando manchetes levianas, nada de entrega de pizza desastrada. Tudo que é caricatura fica pra trás. As cores aqui são mais sóbrias, o tom é mais realista, a violência é mais ameaçadora. Similaridades com o tom empregado por Christopher Nolan no Novo Batman que aqui, infelizmente, não chegam perto do efeito. 

[Esse post é um oferecimento de Apontador Cego, o blog de ilustrações de cinema mais legal que existe :D].