Seguindo a esteira de filmes que
circundam a obra de Renato Russo, icônico líder da banda Legião Urbana “Faroeste Caboclo” (do estreante René
Sampaio, 2013) surge no vácuo deixado pelo recém-lançado “Somos Tão Jovens”
(2013). Com base na enorme música homônima (aquela que você decorou de ponta a
ponta), o roteiro de Victor Atherino e Marcos Bernstein se dedica a desenvolver
a trajetória tortuosa do tal João, natural de Santo Cristo, Bahia. E acerta.
Chamando atenção já nos primeiros
quadros pela Direção de Arte assinada
por Tiago Marques Teixeira, o mesmo de “Ensaio Sobre a Cegueira” (2008), que
explora a aridez do sertão baiano com cuidadosa atenção aos figurinos. Repare
que as cores adotadas ali praticamente se confundem com a dos cenários,
transmitindo bem a percepção desértica do lugar. Vários outros detalhes dão
conta de ajustar a distância temporal do filme: observe a árvore de natal na
casa do primo Pablo (Troncoso), os carpetes, as cortinas, os cabelos. A cadeira
fabricada pelo carpinteiro João é vista de forma discreta num momento posterior
da trama, já envernizada e fazendo parte da mobília.
Outro ponto positivo são as boas Transições de Cena que servem não
meramente como elipses (o João criança joga um balde no poço que é puxado pelo
mesmo João, já adulto), mas também como reforços charmosos à narrativa (o som
de uma porta fechada com força é ouvido na cena seguinte, com João obstinado batendo
com um maço de dinheiro sobre a mesa). Além do quase split-screen que mostra uma externa do apartamento onde é possível
ver o casal protagonista transando por uma janela e na janela ao lado, o pai de
Maria Lúcia (Marcos Paulo) lê um jornal completamente inconsciente do que
acontece na própria casa.
Aliás, a Direção de Atores (antes, o casting)
bem trabalhada intensifica o potencial dramático do filme. Os olhos de Fabrício
Boliveira (o João) frequentemente dizem muito mais que as falas. Isis Valverde imprime
muita sinceridade à Maria Lúcia, deixando um pouco mais distante a sombra de
sua personagem Suelen. E Felipe Abib capricha na inconstância e insanidade de
Jeremias, o Scarface do Planalto Central.
É preciso mencionar também a
franqueza do texto, não só quando se trata de palavrões, mas ainda no uso de
termos passiveis de serem interpretados como “pesados” em tempos de patrulha do
politicamente correto. A discriminação racial sofrida pelo protagonista, por
exemplo, aparece aqui Sem Covardia no
Palavreado.
No entanto, como toda adaptação
cinematográfica, é natural que fãs da obra original reclamem a Não-Similaridade entre um texto e
outro. Aqui há algumas omissões que buscam simplificar a narrativa, tornando-a
mais fluida e direta: os dois lados da moeda, o romance, o conflito, a
resolução, o fim. Embora talvez a maior omissão tenha relação com a
personalidade do protagonista.
O João de Renato Russo tem
vocação para o crime e parece fazer parte de uma trajetória com destino
definido que vai do inferno à absolvição. Mas para o Cinema com protagonista heroico,
é necessário adotar uma personalidade que destaque virtudes inconfundíveis. Não
há como fazer com que a plateia torça (ou sinta compaixão) por um sujeito com
péssimas intenções, ruim de gênio. Sendo assim, o João do filme é uma boa alma que,
atraída para circunstâncias que o fazem cometer crimes, torna-se um “fora-da-lei”.
No Cinema, o herói nos redime ao encarnar o que há de melhor em nós.
Seja como for, o tal João de
Santo Cristo figura aqui num filme que bebeu a contento das
fontes do Western clássico para nos entregar uma história imperfeita, mas
empolgante - e destemida, exatamente como seu herói.