Os diretores de cinema parecem ter atingido o sucesso
irrestrito quando conseguem ser reconhecidos e apreciados por um estilo
próprio que os diferencie de seus colegas cineastas. Ao adotar uma abordagem temático-estética
notadamente original, repetidas vezes, o realizador pode consolidar-se em
gêneros como Alfred Hitchcock está para o suspense. Pode ser reconhecido pelo
apelo ao gótico como Tim Burton. Às comedias neuróticas e existencialistas como
Woody Allen. Às explosões aparentemente injustificadas como er... Michael Bay. Além
de tantos outros exemplos.
Em Django Livre (Django Unchained, 2012), o festejado
cinquentão Quentin Tarantino pavimenta outra vez o trajeto que lhe caracteriza.
Lá está ele derramando alguns barris de sangue falso no colo do espectador,
versando longamente em diálogos de câmera sossegada, fisgando nossa atenção
para o humor sádico e nos envolvendo nas razões do protagonista única e
exclusivamente para saborearmos uma bela cena final de vingança. E a ordem é saborear mesmo. A trama submete os personagens
a toda espécie de injúria para que o triunfo da vingança seja realçado entre
gargalhadas e gracejos do mais puro contentamento.
Não é por acaso que os dois últimos longas do diretor tenham
abordado temas que despertam, sem restrições, a indignação da humanidade:
nazismo em Bastardos Inglórios e escravidão neste Django Livre. A identificação
da plateia é canalizada facilmente contra inimigos em comum, seja os impiedosos
nazistas-genocidas, seja os senhores de escravos tratando gente como bestas sem
cérebro. Apesar de recorrer frequentemente ao humor (sádico, pérfido, é bem
verdade) que funciona aplainando a crueldade de algumas cenas, em outros
momentos, confesso, é comum a sensação de “epa, dessa vez esse cara tá indo
longe demais”.
Seja como for, ao insistir na fórmula, Tarantino cria uma
espécie de muralha anti-crítica. Se a reclamação partir das extensas tomadas
com diálogos que muitas vezes não evoluem a narrativa (lembrar da memorável
discussão sobre a virgindade da Madonna em Cães de Aluguel) a resposta é “este
é o estilo Tarantino”. Se a crítica surgir do apelo à violência gráfica e aos
jorros de sangue (as mutilações em Kill Bill) a resposta é “assim é Quentin
Tarantino”. -“Ai, é violento demais!” –“Vá assistir Cameron Crowe!”. E assim
por diante.
Django Livre é afetação pura. Mas é delicioso notar que,
para além da “assinatura do Tarantino” cada vez menos underground, o apuro
técnico vem se tornando cada vez mais preciso. A fotografia em Django corta os
chapéus dos personagens e canecas de cerveja com fachos de luz (atenção para a
cena de Waltz explicando a lenda de Broonhilda), os super-closes do Sergio Leone
estão todos lá, a trilha sonora tem uma música assinada por Ennio Morricone, o
som do filme é maravilhoso (repare nos estalidos dos gatilhos) e o figurino
apurado acompanhando, por exemplo, a evolução do protagonista Django de escravo
a caçador de recompensas.
Finalmente, para quem gosta dos filmes de Tarantino e, por
tanto, aceita ser barrado pela tal Muralha de Proteção, o único medo é de que a
fórmula se torne engessada ou óbvia demais num futuro próximo. Entre litros de
sangue e verborragia, só nos resta aguardar.