domingo, 20 de janeiro de 2013

A Muralha de Proteção do Sr. Quentin Tarantino


Os diretores de cinema parecem ter atingido o sucesso irrestrito quando conseguem ser reconhecidos e apreciados por um estilo próprio que os diferencie de seus colegas cineastas. Ao adotar uma abordagem temático-estética notadamente original, repetidas vezes, o realizador pode consolidar-se em gêneros como Alfred Hitchcock está para o suspense. Pode ser reconhecido pelo apelo ao gótico como Tim Burton. Às comedias neuróticas e existencialistas como Woody Allen. Às explosões aparentemente injustificadas como er... Michael Bay. Além de tantos outros exemplos.

Em Django Livre (Django Unchained, 2012), o festejado cinquentão Quentin Tarantino pavimenta outra vez o trajeto que lhe caracteriza. Lá está ele derramando alguns barris de sangue falso no colo do espectador, versando longamente em diálogos de câmera sossegada, fisgando nossa atenção para o humor sádico e nos envolvendo nas razões do protagonista única e exclusivamente para saborearmos uma bela cena final de vingança. E a ordem é saborear mesmo. A trama submete os personagens a toda espécie de injúria para que o triunfo da vingança seja realçado entre gargalhadas e gracejos do mais puro contentamento.

Não é por acaso que os dois últimos longas do diretor tenham abordado temas que despertam, sem restrições, a indignação da humanidade: nazismo em Bastardos Inglórios e escravidão neste Django Livre. A identificação da plateia é canalizada facilmente contra inimigos em comum, seja os impiedosos nazistas-genocidas, seja os senhores de escravos tratando gente como bestas sem cérebro. Apesar de recorrer frequentemente ao humor (sádico, pérfido, é bem verdade) que funciona aplainando a crueldade de algumas cenas, em outros momentos, confesso, é comum a sensação de “epa, dessa vez esse cara tá indo longe demais”.

Seja como for, ao insistir na fórmula, Tarantino cria uma espécie de muralha anti-crítica. Se a reclamação partir das extensas tomadas com diálogos que muitas vezes não evoluem a narrativa (lembrar da memorável discussão sobre a virgindade da Madonna em Cães de Aluguel) a resposta é “este é o estilo Tarantino”. Se a crítica surgir do apelo à violência gráfica e aos jorros de sangue (as mutilações em Kill Bill) a resposta é “assim é Quentin Tarantino”. -“Ai, é violento demais!” –“Vá assistir Cameron Crowe!”. E assim por diante.

Django Livre é afetação pura. Mas é delicioso notar que, para além da “assinatura do Tarantino” cada vez menos underground, o apuro técnico vem se tornando cada vez mais preciso. A fotografia em Django corta os chapéus dos personagens e canecas de cerveja com fachos de luz (atenção para a cena de Waltz explicando a lenda de Broonhilda), os super-closes do Sergio Leone estão todos lá, a trilha sonora tem uma música assinada por Ennio Morricone, o som do filme é maravilhoso (repare nos estalidos dos gatilhos) e o figurino apurado acompanhando, por exemplo, a evolução do protagonista Django de escravo a caçador de recompensas.

Finalmente, para quem gosta dos filmes de Tarantino e, por tanto, aceita ser barrado pela tal Muralha de Proteção, o único medo é de que a fórmula se torne engessada ou óbvia demais num futuro próximo. Entre litros de sangue e verborragia, só nos resta aguardar.

8 comentários:

  1. Ótimo texto Davi!

    Pra mim o Tarantino continua como vinho. Seu próximo filme não será dramaticamente diferente do antecessor, mas certamente será delicioso.

    Abs.

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  2. Ótimo texto! Só discordo do finalzinho... Entra em contradiçao com o restante ao meu ver... Ao consolidar um estilo pessoal, único, Tarantino apenas refaz os passos de tantos outros mestres citados por vc mesmo. Woody Allen nunca precisou se reinventar para agradar seu público cativo, muito pelo contrário. Seus filmes mais criticados sao os que tentaram fugir de suas caracteristicas tao profundamente queridas mundo afora. E quem dirá Hitchcock, que segundo Truffaut, conseguiu a enorme e genial façanha de encantar platéias filme após filme recontando a mesma história? Nao, acredito que Tarantino está cada vez mais maduro enquanto diretor e, se deus quiser, vai continuar com seu estilo único de filmar.

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    1. Obrigado, Daniel. Entendi seu argumento e espero muito que você esteja certo. Mas diferente dos dois exemplos totalmente solidificados, Tarantino (assim como o Burton, pra manter nos exemplos) ainda tem como sabotar a própria "fórmula". Não tem como precisar se daqui a dois ou três filmes o tal do estilo tarantinesco continue rendendo. Abraço e volte sempre (:

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  3. Parabéns pelo texto, muito bacana Davi.

    E como sou fã do Tarantino, queriua dar uma dica aos fãs do gênero, O TARANTINO DAS LETRAS. Indico portanto a leitura do livro SUFOCO, do escritor paulista Ricardo Bellissimo. É um livro impressionante e muito dinâmico, parece um filmaço do Tarantino saído das páginas, todo escrito com uma narrativa ácida e alucinada, muito bom. Fazia tempo que nao lia uma livro assim que me prendia da primeira à última página.
    Abraços a todos vcs, especialmente aos fãs desse tresloucado Quentin,
    Fernando Reis (São Paulo - SP)

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    1. Obrigado, Fernando. E valeu pela sugestão de leitura. :))

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  4. Fiquei com mais vontade ainda de assistir!

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