segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ruby Sparks encontra o Jovem Woody Allen



A sombra do primeiro sucesso pode ser esmagadora para um artista. É assim a vida do escritor prodígio Calvin Weir-Fields (Paul Dano), que escreveu um best-seller aos 19 anos e passou a ser tido como um gênio (“Não use essa palavra”, ele repete) desde então. Mas dez anos depois, diante das cobranças para um novo romance, ele só consegue se ver afogado num imenso mar de folhas brancas, sem ideia alguma.

Recorrendo às recomendações de seu analista e aos conselhos predadores do irmão mais velho, o bloqueio criativo de Calvin só é interrompido quando ele sonha com essa garota angelical, de cabelos inacreditavelmente vermelhos, puro mistério. A musa inspiradora é a tal da ‘faísca ruiva’ (daí o título ‘Ruby Sparks’) que faltava pra que um novo livro começasse a ser escrito. O detalhe é que algumas páginas depois, Ruby Sparks (Zoe Kazan, que também assina o roteiro) aparece em carne, osso e roupas de baixo na casa do Calvin, preparando o café da manhã.

Esse é o plot do novo filme da dupla de diretores que nos trouxe ‘Pequena Miss Sunshine’, Jonathan Dayton e Valerie Faris. Mas aqui a namorada ideal não é fruto de uma mente esquizofrênica, como foi o caso do personagem parcialmente maníaco de Selton Mello em ‘A Mulher Invisível’. Ela também não é uma boneca-para-fins-recreativos, como a namorada de Ryan Gosling em ‘A Garota Ideal’. E o principal: ela não é consciente da sua condição de personagem, como o Will Ferrell em ‘Mais Estranho que a Ficção’.

Sendo assim, qualquer alteração que o afortunado Calvin Weir-Fields decida fazer em seu texto, reflete diretamente no comportamento de Ruby. Algo que leva o protagonista a uma desgastante crise de valores éticos. Alterar a personalidade de Ruby é brincar de Deus, ele poderia pensar. Até onde sua namorada deixa de agir espontaneamente pra ser um mero fantoche guiado pelas teclas de uma máquina de escrever?

Tecnicamente cuidadoso, o design de produção investe num interessante contraste dos personagens com o cenário principal do filme, a casa do jovem romancista. Uma versão do Woody Allen com 29 anos, recluso e retraído, sempre usando roupas de tons claros, Calvin quase desaparece pelas paredes brancas da casa super-monocromática. Já Ruby é sempre cor viva (vermelho e roxo, principalmente) remetendo ao caráter vivaz e inspirador da personagem. As participações de Annette Bening e Antonio Banderas como os excêntricos pais do protagonista, também ajudam a engrossar o caldo com bons personagens e situações.

Notei que depois que a primeira complicação é resolvida (entender a natureza de Ruby e se convencer de que “não, eu não estou ficando louco”) o ritmo da narrativa sofre uma leve desacelerada até pegar o embalo outra vez. Mas Ruby Sparks continua sendo uma história romântica, criativa e sem grandes pretensões sobre a matemática incrivelmente complexa dos relacionamentos amorosos, nossa necessidade de ser notado e as diferenças definitivas entre os dois lados da moeda.


Ruby Sparks - A Namorada Perfeita (Ruby Sparks, 2012)

Direção: Jonathan Dayton, Valerie Faris

Elenco: Zoe Kazan, Paul Dano, Chris Messina, Antonio Banderas, Annette Bening, Steve Coogan, Deborah Ann Woll


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