Um porte longilíneo e aristocrático, os cabelos rigorosamente
emplastrados, trajes de corte fino, o olhar imponente e, acima de tudo, uma voz
cortante, poderosa. Essas são características que inevitavelmente guiariam o
então jovem ator Vincent Price pelos caminhos dos filmes de horror, pelos quais
ele se tornaria reverenciado anos depois.
Ter nascido no mesmo dia de Christopher Lee (27 de maio de
1911), outra lenda dos horror movies,
parece predestinação agourenta. Mas do começo de carreira no teatro, em
espetáculos da Broadway, foi um curto caminho até que Price carimbasse o
passaporte para Hollywood, a princípio estrelando papeis dramáticos,
notadamente secundários. Um dos personagens mais marcantes dessa primeira fase
foi em “Laura” (1940), um clássico do cinema
noir dirigido por Otto Preminger. Price é um dos suspeitos pelo assassinato
da linda moça do título, interpretada por Gene Tierney. Os dois voltariam a se
encontrar em outro filme marcante do período, “Amar Foi Minha Ruína” (1945), um
dos primeiros em technicolor. Price
vive o marido que é inescrupulosamente trocado pelo novo interesse romântico da
protagonista.
No ano seguinte, “Choque” (1946) traz Vincent Price como o maquiavélico
psiquiatra Richard Cross, assassino da própria esposa, que transforma
lentamente em um inferno a vida da única testemunha do crime. E aqui um traço
interessante da persona de Price,
ainda em construção: a postura ambígua, insuspeita, propicia a ele a
possibilidade de enganar a seus pares na trama e a nós, na plateia.
Depois de trilhar pelos estúdios da Universal e Fox, Vincent
Price estrela, pela Warner, este que talvez seja seu primeiro grande sucesso na
esteira dos filmes de horror: “Museu de Cera” (1953). Ele interpreta Henry
Jarrod, um escultor que cria impressionantes imagens realistas de
personalidades históricas para o museu do título. O afinco com que Jarrod
produz suas obras é tamanho, que ele as trata como pessoas reais, com alma e
personalidade. O problema começa quando seu sócio decide incendiar o museu a
fim de ficar com o dinheiro da hipoteca. Jarrod, na tentativa de salvar suas
criações, fica preso no salão, carbonizado junto a seus amigos de cera. Depois da carga dramática gigantesca de
prólogo, o escultor regressa, como uma figura bestial, em busca de vingança.
E aqui nós temos outro elemento importante para a composição
da Lenda Vincent Price: o personagem injustiçado por fatores incrivelmente
aleatórios regressa com um plano de vingança maléfico de assassinato em massa,
ou coisa que o valha. Esse plot ainda
seria usado inúmeras vezes em outros personagens do ator.
Em 1958, “A Mosca da Cabeça Branca” confere um enorme sucesso
à Fox e se torna outro marco interessante na carreira de Vincent Price - apesar
de ser um personagem coadjuvante. A história do cientista que desenvolve uma
máquina de teletransporte, cujas experiências resultam numa criatura horrenda.
Um filme de ficção científica em narrativa inversa, intercruzando o estilo noir.
No ano seguinte, “A
Casa dos Maus Espíritos” (1959) celebra a entrada definitiva de Price no
universo dos chamados ‘Filmes B’, aqui desmembrado em ‘Terror B’. Essa
designação caracteriza uma alternativa adotada pelos estúdios de produzir
filmes com menor orçamento e sem grandes estrelas no elenco. Utilizando sobras
de cenário e figurino de outras produções e soluções engenhosas de filmagem, os
‘Filmes B’ eram exibidos após os lançamentos principais, nas populares sessões
duplas que começam na década de 1950. Os estúdios buscavam com isso reconquistar
um público cada vez mais seduzido pela novidade da Televisão.
Nos filmes de Terror B, os relevos de influência
Expressionista entram em conflito com o viés discretamente cômico, muito característico
desse subgênero. Além da camada estética frequentemente sobrepujando aspectos
psicológicos: caveiras animadas precariamente, aparições e vultos conferem ao
filme uma identidade farsesca, quase de fábula. “A Casa dos Maus Espíritos” traz
a figura de Price como o milionário excêntrico que decide desafiar pessoas
anônimas a passarem uma noite nessa mansão escabrosa, a troco de receber 10 mil
dólares como prêmio. Dirigido por William Castle, um dos nomes mais importantes
do Terror B. A partir da repercussão positiva, muitos outros filmes foram sendo
produzidos, seguindo os mesmos padrões e em intervalos bem curtos, em tempo
record de produção.
“O Poço e o Pêndulo” (1961) assim como "Muralhas do Pavor", “O Castelo Assombrado” (1963) e “O Corvo” (1963) são bons exemplos. Pertencem a uma série de filmes estrelados por Price e dirigidos por Roger Corman, com base em contos macabros de Edgar Allan Poe. A ambientação no séc. XVI, frias paredes de castelos cheias de histórias, figurinos pomposos, quadros assustadores, o tema da reencarnação e maldições familiares. São incontáveis os elementos que ajudam a construir uma iconografia muito bem definida na tríade Poe-Corman-Price. É uma bela safra.
“O Poço e o Pêndulo” (1961) assim como "Muralhas do Pavor", “O Castelo Assombrado” (1963) e “O Corvo” (1963) são bons exemplos. Pertencem a uma série de filmes estrelados por Price e dirigidos por Roger Corman, com base em contos macabros de Edgar Allan Poe. A ambientação no séc. XVI, frias paredes de castelos cheias de histórias, figurinos pomposos, quadros assustadores, o tema da reencarnação e maldições familiares. São incontáveis os elementos que ajudam a construir uma iconografia muito bem definida na tríade Poe-Corman-Price. É uma bela safra.
Em “No Domínio do
Terror” (1962) outro aspecto definitivo da Filmografia Price é
estabelecido: a figura do cientista possuído pela ambição de seus estudos,
geralmente com motivações românticas. Aqui são apresentadas três histórias sem
conexão entre si. Na primeira, velhos amigos descobrem uma curiosa fórmula da
juventude e tentam, depois de rejuvenescer coisa de 50 anos, ressuscitar a
falecida esposa de um deles. Na segunda história, "A Filha de
Rappaccini", remotamente baseada no conto de Rapunzel, um cientista mantém
a filha sob uma espécie de antídoto que a impede de se relacionar com outras
pessoas - até que ela se apaixona.
A figura do cientista emocionalmente desequilibrado voltaria
mais tarde em “O Abominável Dr. Phibes”
(1971), um dos personagens mais populares de Vincent Price. Depois de perder a
esposa num procedimento cirúrgico mal sucedido, Dr. Phibes elabora um plano de
vingança macabro baseado em pragas do Antigo Testamento. Um a um os médicos
envolvidos vão sendo assassinados com requintes de crueldade. Dr. Phibes volta
em "A Câmara de Horrores do Dr.
Phibes" (1972).
A fórmula vingancista é repetida em “As Sete Máscaras da Morte” (1973), com trama e personagens
claramente similares aos de Dr. Phibes, realocados. Um ator frustrado decide
executar os críticos teatrais que o execraram – aqui os assassinatos são minuciosamente
baseados em peças de Shakespeare.
O Mestre do Horror
Fora das telas, Price era um apreciador e colecionador de obras de arte, tendo se formado em História da Arte em Yale. Ele também foi um gourmet inveterado, inclusive tendo se dedicado à culinária, co-escrevendo livros de receitas e participando de programas de televisão – é até engraçado imaginar Dr. Phibes ensinando a fazer enroladinhos de camarão.
Fora das telas, Price era um apreciador e colecionador de obras de arte, tendo se formado em História da Arte em Yale. Ele também foi um gourmet inveterado, inclusive tendo se dedicado à culinária, co-escrevendo livros de receitas e participando de programas de televisão – é até engraçado imaginar Dr. Phibes ensinando a fazer enroladinhos de camarão.
Contemporâneo de mestres como Bela Lugosi, Boris Karloff,
Peter Cushing e Peter Lorre, além do já citado Christopher Lee, a longa
filmografia de Vincent Price, que se estende ao longo de quase cinco décadas, o
estabelece solidamente no Olimpo do Horror cinematográfico. No entanto, seu
legado não se limita ao cinema, já que sua voz inconfundível está cravada num
dos clipes musicais mais famosos de todos os tempos: é dele a narração
cavernosa e a gargalhada fatal em ‘Thriller’, de Michael Jackson. Sua última
participação no cinema foi em “Edward Mãos de Tesoura”, de Tim Burton – um dos
muitos discípulos do Mestre do Horror.
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